A (in)devida responsabilização do sócio pela dívida da empresa

FIQUE ATENTO: VOCÊ PODE ESTAR SENDO COBRADO INDEVIDAMENTE POR UMA DÍVIDA DA SUA EMPRESA – O QUE FAZER PARA ESCLARECER E RETIRAR A ANOTAÇÃO DE CORRESPONSABILIDADE DE DÍVIDA FISCAL

É mais comum do que deveria vermos situações nas quais o sócio é responsabilizado indiscriminadamente por dívidas fiscais geradas pela empresa, no decorrer de sua atividade, simplesmente por figurar nos quadros societários da pessoa jurídica.

Quando a empresa passa por certas dificuldades e não consegue honrar com todos os seus compromissos, há situações nas quais a Fazenda Pública, no decorrer do processo de cobrança de tributos, emite a Certidão de Dívida Ativa – CDA – não apenas em nome da empresa devedora, mas também em nome de cada um de seus sócios, como corresponsáveis pela obrigação.

Todavia, tal procedimento não pode ser feito de maneira indiscriminada, mas somente em situações específicas e previstas em lei, sob pena de criar indevidamente diversos transtornos na vida pessoal de cada sócio.

Os efeitos nefastos dessa atitude da Fazenda podem repercutir para além da esfera patrimonial do sócio, gerando consequências e inseguranças inclusive para terceiros que possuem relações jurídicas com tal pessoa.

É o caso de copropriedades em imóveis ou empreendimentos, por exemplo, assim como na sucessão, para os herdeiros dos sócios. Haverá um “engessamento” da capacidade de se relacionar juridicamente, até que o equívoco da vinculação à dívida seja sanado ou que a própria dívida em si seja resolvida.

Por mais que seja um direito da Fazenda buscar a satisfação dos débitos tributários em aberto, existem mecanismos próprios para isso que devem ser utilizados e respeitados, sendo que a vinculação indiscriminada do sócio à dívida da empresa não é um deles, mas tão somente uma forma autoritária de abuso de poder do fisco que deve ser combatida.

Para que se possa exigir do sócio a quitação, com patrimônio pessoal, de dívida da empresa, há que se demonstrar a ocorrência de alguma das hipóteses previstas no art. 135 do Código Tributário Nacional – CTN: atuação com excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou estatuto ou, em caso de dissolução irregular da sociedade.

Fora esses casos, o que se buscará para a quitação de dívidas da empresa é o próprio patrimônio da pessoa jurídica e não o da pessoa física de seus sócios.

O mero inadimplemento não se configura como infração à lei

A sociedade empresária é a responsável originária de quaisquer débitos que tenham sido por ela gerados. Não se trata de uma responsabilidade solidária com a pessoa física que integra seu quadro societário, conforme se depreende da jurisprudência consolidada do C. Superior Tribunal de Justiça – STJ:

(…) 1. Os bens do sócio de uma pessoa jurídica comercial não respondem, em caráter solidário, por dívidas fiscais assumidas pela sociedade. A responsabilidade tributária imposta por sócio-gerente, administrador, diretor ou equivalente só se caracteriza quando há dissolução irregular da sociedade ou se comprova infração à lei praticada pelo dirigente (…) (STJ, ERESP – 260107, Primeira Seção, Rel. Min. José Delgado, j. em 10/03/2004, v.u., DJ de 19/04/2004, p. 149). (Grifou-se).

De igual maneira, o mero inadimplemento fiscal não autoriza a responsabilização dos sócios, o que ocorre somente quando “há dissolução irregular da sociedade ou se comprova infração à lei praticada pelo dirigente”. A responsabilização dos sócios é, portanto, subjetiva, além de subsidiária:

O inadimplemento não configura infração à lei, e o fato de não haver bens bastantes para garantir a execução não autoriza o seu redirecionamento automático, o qual somente se admite se comprovada alguma das hipóteses previstas no art. 135, III, do CTN, ou a dissolução irregular da sociedade. (…). (TRF 3ª R.; AGLeg-AI 0033033-10.2010.4.03.0000; SP; Sexta Turma; Rel. Des. Fed. Mairan Gonçalves Maia Júnior; DEJF 24/2/2011; Pág. 1463). (Grifou-se).

É no mesmo sentido o entendimento do STJ:

É dominante no STJ a tese de que o não-recolhimento do tributo, por si só, não constitui infração à lei suficiente a ensejar a responsabilidade solidária dos sócios, ainda que exerçam gerência, sendo necessário provar que agiram os mesmos dolosamente, com fraude ou excesso de poderes. 2. Agravo regimental improvido” (STJ; AgREsp n. 346.109/SC, Relatora Ministra ELIANA CALMON, DJ de 04/08/2003, p. 00258). (Grifou-se).

TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO. INADIMPLEMENTO DA OBRIGAÇÃO DE PAGAR TRIBUTOS. IMPOSSIBILIDADE. FALÊNCIA. 1. O mero inadimplemento da obrigação de pagar tributos não constitui infração legal capaz de ensejar a responsabilidade prevista no artigo 135 do Código Tributário Nacional. Ademais, a quebra da empresa executada não autoriza a inclusão automática dos sócios, devendo estar comprovada a prática de atos com excesso de poderes ou infração à lei. Precedentes. 2. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 1273450/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/02/2012, DJe 17/02/2012) (Grifou-se).

O assunto está, inclusive, sumulado pelo C. STJ, por meio da Súmula n. 430, segundo a qual “o inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente (DJe 13/5/2010; REPDJe 20/5/2010; RSTJ vol. 218 p. 698)”.

Resta claro, portanto, que só haverá responsabilização pessoal do sócio-gerente da pessoa jurídica (e somente do sócio-gerente, frisa-se) quando ocorrer a prática dolosa de infração à lei, ao contrato social ou estatuto; algum ato com excesso de poder; ou, ainda, em caso de dissolução irregular da sociedade, não sendo considerado infração à lei o não-recolhimento de tributo.

Quando há responsabilidade, ela é do sócio que atua

Para responsabilização pessoal dos sócios, o responsável pela pessoa jurídica passível de responsabilização (quando for o caso) é aquele que pode, de fato, praticar atos em nome da sociedade: o sócio-gerente, administrador da empresa.

Somente o sócio-gerente poderia incorrer nas hipóteses previstas no art. 135 do CTN e que ensejariam a responsabilização pessoal quanto ao débito: prática dolosa de infração à lei, ao contrato social ou estatuto; algum ato com excesso de poder; ou, ainda, em caso de dissolução irregular da sociedade.

Não é o caso do sócio meramente patrimonial, que não dirige, de fato, as atividades da pessoa jurídica.

É necessário, portanto, que se demonstre o ato praticado pelo gerente, passível de enquadrá-lo em alguma das hipóteses do art. 135 do CTN para que se atinja seu patrimônio pessoal. Os Tribunais reconhecem essa questão e averiguam, para responsabilização da pessoa física, se ela realmente exercia os atos de gestão da pessoa jurídica ao tempo da eventual prática ilegal:

AGRAVO LEGAL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO – SÓCIO QUE NÃO EXERCIA PODERES DE GERÊNCIA DA SOCEDADE À ÉPOCA DA DISSOLUÇÃO IRREGULAR – IMPOSSIBILIDADE DE INCLUSÃO NO POLO PASSIVO. I – Admite-se o redirecionamento da execução fiscal nos casos em que, comprovada a impossibilidade de garantia da causa pelos meios ordinários, apresentem-se indícios da dissolução irregular da sociedade executada ou das práticas descritas no artigo 135, III. II – De acordo com o entendimento firmado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, adotado também por esta E. Terceira Turma, o redirecionamento da execução deve ocorrer contra os sócios que geriam a empresa na época em que houve sua dissolução irregular. III – Cuidando-se de sócio que não exercia poderes de gerência da sociedade à época da dissolução irregular, descabida a sua inclusão no polo passivo da execução. IV – Precedentes. (…) VIII – Agravo legal improvido.” (TRF 3ª Região, TERCEIRA TURMA, AI 0010900-37.2011.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL CECILIA MARCONDES, julgado em 16/01/2014, e-DJF3 Judicial 1 DATA:24/01/2014) (Grifou-se).

Portanto, repisando o tema, quando é o caso de responsabilização pessoal do sócio, o sócio passível de responsabilização é o sócio administrador que praticou algum dos atos descritos no art. 135 do CTN.

Falência não é dissolução irregular da sociedade

Ultrapassada a questão quanto à prática de ato passível de ensejar a responsabilização pessoal dos sócios, também não há que se falar em responsabilização pela dissolução irregular da sociedade, quando esta entra em processo de falência.

O entendimento do C. STJ é claro no sentido de que a falência é modo regular de dissolução da sociedade. É meio idôneo para extinguir a empresa, que não mais possui saúde financeira para honrar seus compromissos.

A falência conclui-se com o aval da Justiça, obedecendo aos procedimentos impostos pelo legislador, oferecendo oportunidade, por vias próprias, a quaisquer impugnações.

3. Esta Corte já se posicionou que, no caso de massa falida, a interpretação do art. 135, do CTN, é de que a responsabilidade é da empresa, porque foi extinta com o aval da justiça” (Precedente: REsp 868095/RS; Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 11. (STJ; AgRg no REsp 572175 PR 2003/0127667-0; Relator(a): ministro HUMBERTO MARTINS; SEGUNDA TURMA; Publicação: DJ 5/11/2007 p. 247). (Grifou-se) (Grifou-se).

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. SÓCIO-GERENTE. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA. FALÊNCIA. EXIGUIDADE DE BENS. REDIRECIONAMENTO. 1. No STJ o entendimento é de que o simples inadimplemento da obrigação tributária não enseja a responsabilidade solidária do sócio-gerente, nos termos do art. 135, III, do CTN. 2. A falência não configura modo irregular de dissolução da sociedade, pois, além de estar prevista legalmente, consiste numa faculdade estabelecida em favor do comerciante impossibilitado de honrar compromissos assumidos. 3. Em qualquer espécie de sociedade comercial, é o patrimônio social que responde sempre e integralmente pelas dívidas sociais. Com a quebra, a massa falida responde pelas obrigações a cargo da pessoa jurídica até o encerramento da falência, só estando autorizado o redirecionamento da Execução Fiscal caso fique demonstrada a prática pelo sócio de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou de infração a lei, contrato social ou estatutos. 4. Agravo Regimental não provido. (AgRg no AREsp 128.924/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/08/2012, DJe 03/09/2012) (Grifou-se).

Portanto, não será também a mera falência da pessoa jurídica o ato que demonstrará a necessidade de responsabilização pessoal dos sócios quanto aos débitos da empresa.

Não sendo caso de responsabilização pessoal do sócio, como proceder?

Infelizmente, essa prática da Fazenda (de incluir indiscriminadamente o sócio como corresponsável pela dívida da empresa) acaba impondo à pessoa física o ônus de regularizar a situação que lhe é imposta.

Nesses casos, demonstrando que o seu caso não se enquadra em nenhuma das hipóteses previstas na legislação, o sócio poderá formalizar requerimento administrativo de alteração de corresponsabilidade, solicitando à Fazenda a retificação da Certidão de Dívida Ativa, excluindo desta a informação que o vincula indevidamente ao débito em aberto da empresa.

Caso a medida administrativa não surta efeito, também será possível ingressar com uma demanda judicial solicitando o reconhecimento da situação de desvinculação de pessoa física com o débito exigido, requerendo ao próprio Poder Judiciário que determine a retificação da CDA.

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